INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, CHATGPT E O DILEMA DA AUTENTICIDADE NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

Nos últimos tempos, a discussão a respeito dos investimentos em pesquisas sobre inteligência artificial tem ficado bastante acirrada – de um lado, mentalidades mais conservadoras temem por uma realidade sob o controle total de máquinas e robôs; de outro lado, novas versões do ChatGPT despontam a todo momento, ultrapassando barreiras até então inimaginadas. Afinal de contas, o que é mais sensato pensar nesse turbilhão revolucionário da Inteligência Artificial?

            Pensar nos avanços proporcionados pelo computador e pela internet é coisa literalmente do século passado. Já não cabem mais nas rodas de conversa dúvidas sobre como somos dependentes das máquinas e como esse é um caminho que já não tem mais volta. E com as potencialidades demonstradas pelos celulares, colocando o mundo inteiro na palma de nossas mãos, os avanços da internet já nem provocam nenhum tipo de dúvida ou desconfiança sobre a sua importância, eficiência e funcionalidade.

            A Inteligência Artificial está presente em todo o nosso dia a dia, mas esse ainda não é o limite (aliás, existiria um limite para a evolução tecnológica?). Toda forma de evolução ultrapassa fronteiras, e até então a criatividade humana parecia ser o limite para os avanços da Informática, uma vez que robôs não são dotados de alguns aspectos que nos particularizam como seres humanos: sensibilidade, sentimentalismo, criatividade, pendor para as artes, intuição, visão crítica, e mesmo aqueles aspectos menos cultuados por nós, como a inconstância, irritabilidade, bipolaridade e outros.

            Pois bem, parecemos estar no limiar de uma era em que essa distinção entre homem e máquina se mostra, no mínimo, ameaçada. É aí que surge o machine learning, termo técnico que se refere à capacidade que as máquinas têm de produzir respostas inéditas através de um aprendizado sistemático desenvolvido à base de alimentação de dados prévios – por exemplo, produzir uma receita nova com base em informações processadas em receitas anteriores. Ou produzir um texto inédito baseado em textos previamente analisados, de acordo com o estilo, vocabulário e tema que forem solicitados à máquina. Ou até produzir uma obra de arte inédita, com o estilo de um van Gogh ou Picasso, por exemplo, utilizando-se dos traços de outras pinturas produzidas por esses gênios da arte. E por aí vai, no campo da música, escultura, literatura, arquitetura, etc.

            É isso – e muito mais – que faz o ChatGPT, uma ferramenta poderosíssima na criação de textos e obras inéditas, que, em contrapartida, torna-se também uma ferramenta muito eficiente para que anônimos produzam – ou se apropriem de, melhor dizendo – textos e obras com características superficialmente parecidas com os de grandes e renomados escritores e artistas da humanidade. Ou, no mínimo, é capaz de produzir textos e obras exatos, sem erros, dentro um bom padrão de qualidade e de aceitabilidade. E tudo isso numa agradável interface de bate-papo, em que um dos interlocutores é qualquer um de nós e, do outro lado, o Generative Pre-trained Transformer, isto é, uma espécie de máquina transformadora pré-treinada que gera respostas dos mais variados tipos. A diferença entre o GPT e programas de versões anteriores que “conversavam” com os humanos é que esses mais antigos possuíam um extenso conjunto de respostas prontas, que eram dadas depois de escolhidas sistematicamente como as mais apropriadas dependendo do tipo de pergunta ou pedido. Já no ChatGPT, as respostas são elaboradas ao vivo, com base em informações e estilos aprendidos pela máquina.

            Sim, é uma realidade assustadora – porém, será mais assustadora do que quando se aventou a possibilidade de se realizar uma inseminação artificial in vitro? Ou de quando foi decifrado o código genético humano? Ou de quando clonaram a ovelha Dolly e o mundo ficou estarrecido com as possibilidades de se clonar um ser humano? Muito provavelmente não. No início de cada um desses episódios da humanidade, vários segmentos se mobilizaram contrários à continuidade das pesquisas nessas áreas – principalmente no caso da inseminação artificial e da clonagem –, e o que nós vemos hoje? A inseminação artificial já é uma opção até banal para as famílias, e a clonagem, se não é propriamente uma rotina, é pelo menos uma questão bem resolvida pela ciência. E assim caminha a humanidade, com períodos de relativa calmaria enquanto as ideias vão se amadurecendo para, daí a pouco, explodirem em saltos evolutivos que causam impacto principalmente nos mais incrédulos. Thomas Kuhn, em seu clássico livro “A estrutura das revoluções científicas”, explica muito bem esses movimentos da ciência, com períodos que o autor classifica como “pré-paradigmáticos”, que antecipam as grandes mudanças do pensamento universal.

            E uma característica marcante em todos esses momentos é: os avanços são irreversíveis. Ninguém segura a ciência, ninguém impõe limites à evolução, o espírito investigativo é uma característica intrinsecamente humana. Pode-se até tentar impor barreiras às pesquisas na área da Inteligência Artificial, mas a verdade é que elas não vão parar. Ainda que haja leis tentando impor limites, o fato é que elas continuarão seguindo o fluxo da essência humana, que é descobrir e evoluir sempre. Obviamente, os aspectos éticos e legais devem acompanhar a evolução tecnológica, mas jamais irão na contramão da ciência ao ponto de impedi-la.

            É óbvio também que toda forma de evolução cria novos contratempos, desafios e dificuldades. A inseminação artificial deu origem aos conflitos morais e legais relacionados à barriga-de-aluguel, à paternidade e maternidade não natural; a criação da internet deu origem aos meandros da deep web e toda a sorte de crimes praticados nesse lado escuso e obscuro da comunicação global. Da mesma forma, o ChatGPT vai requerer toda uma gama de procedimentos e mudanças de postura, digamos, adaptativos. 

Vejamos alguns impactos especificamente no campo da Educação.

            Na produção de textos, não terão mais espaço atividades como escrever um texto com uma média de linhas especificada, sobre um dado tema qualquer, que atenda ao tipo dissertativo-argumentativo, por exemplo. Isso o ChatGPT faz num piscar de olhos e com um nível vocabular e gramatical bem superior à média dos textos autênticos que circulam no meio estudantil, em todos os níveis de ensino. É por isso que muita gente tem se aventurado até a arriscar a produção de trechos (para sermos otimistas!) de dissertações de mestrado e teses de doutorado através da Inteligência Artificial.

            Redações de vestibulares online e confecção de trabalhos de conclusão de cursos superiores também estão fadados a desaparecer, pelo menos se continuarem insistindo no mesmo formato. Aliás, até os programas criados para verificar a autenticidade da produção de textos são incapazes de atestar a sua autoria. Uma boa discussão a ser desenvolvida dentro dessa questão é: um texto produzido pela máquina e apropriado por alguém configura plágio? Mas, voltando às ferramentas antiplágio: novos programas terão que ser criados, já existindo inclusive alguns disponíveis, como o AI Writing Check e outros, que não apresentam 100% de eficácia, mas que são capazes de identificar se um texto foi produzido ou não via Inteligência Artificial. Ou seja, boas e acaloradas discussões nos aguardam nessa área.

            Enfim, se as mudanças no campo da Educação há muito tempo já se fazem necessárias, agora se tornaram urgentes. Continuar exigindo a produção de textos naquele velho formato ou cobrar a confecção de trabalhos de conclusão de curso só pró-forma vai ser uma boa dor de cabeça para os professores e para as instituições, porque certamente o autor de fato disso tudo vai ser o GPT. Obviamente, não temos a receita de como resolver esses dilemas, mas se isso de fato for um problema para os próximos tempos, a solução estará na incorporação dessa ferramenta no próprio sistema educacional. Desafiemos os nossos alunos, por exemplo, a comparar um soneto autêntico de Camões com um soneto produzido pelo GPT, sendo este solicitado a compô-lo nos padrões do Classicismo português. Ou então que os alunos expliquem por que o GPT não conta piada de português. Ou que os alunos da Informática repliquem alguns algoritmos utilizados pelo próprio GPT na formulação de determinadas respostas a perguntas bem direcionadas pelo professor.

            Ou agimos assim ou… perguntamos ao GPT o que devemos fazer nesse novo cenário mundial. Talvez ele dê algumas sugestões interessantes!

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